E por falar nisto...
Conversando por escrito
terça-feira, 6 de junho de 2017
É noite outra vez e estou de volta. De algum lugar, na casa
vazia, ela surge lentamente para me encontrar. Cheio de vinho & Espírito
Santo, eu a abraço comovido, e ela me beija, mistura-se a mim, e altera o seu
alento junto ao meu, enquanto no ar uma canção se espalha, celebrando o nosso
encontro.
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Enfim começo um antigo projeto para o E por falar nisto.... Eu o chamei Escritores Convidados. Um
espaço eventual, onde, de tempos em tempos, apresentarei outros escritores,
poetas outros, artistas des lettres que
conheci – de perto ou de longe – mas sempre atenciosamente, e me falaram direto
ao Coração. É com vocês que desejo, então, compartilhar esses momentos de
descoberta e fruição.
Começo com a doce Ishtar.
Sob este pseudônimo, que celebra uma divindade pagã da fertilidade e da comunhão
espiritual, está uma jovem escritora que, numa linguagem simbólica carregada de
doce sensualidade e ternura, fala de suas
vivências de corpo e alma, para que, com ela, celebremos em nós mesmos a
delícia de ser integralmente. A ferramenta dessa magia é a literatura, e o texto
que vocês lerão agora – propositalmente dúbio entre o conto e a crônica
literária – dá conta deliciosamente deste caminho.
marco antonio coutinho
Era o terceiro dia de janeiro
Ishtar
Era o terceiro dia de janeiro, ano do vento, quando
aconteceu. O beijo.
— Eu não vou te beijar — ele
disse, enquanto segurava meu rosto com as duas mãos.
Eu não sabia o que esperar. Em uma das mãos tinha um copo
de refrigerante. E, havia pouco, saia de uma lanchonete com aquele que com seu
beijo me deu a chave para escapar da torre, do oceano onde eu estava afundando,
sem conseguir respirar.
O beijo foi o primeiro suspiro, a cabeça pra fora da água.
— Estou
viva! — era o
que dentro de minha mente gritava. Mal
sabia dos desafios que estavam por vir. Escapar da torre não foi fácil, mas os
anos em que estive trancafiada dentro dela tiveram suas consequências. Nunca
havia pisado naquela terra macia. Peguei-a com as mãos, experimentando as
possibilidades. Antes só poderia imaginar a textura quando olhava de minha
janela distante.
Era diferente, novo, e eu queria mais. Fui caminhando por
aquela região, um bosque, repleto de diferentes formas de vida que nunca tinha
tido a oportunidade de tocar, algumas que eu nunca nem imaginava que pudessem
existir. Duas borboletas voavam em sua dança sensual, um duelo de movimentos no
ar, em que entrelaçavam fios invisíveis da conexão entre elas. Mas eu conseguia
enxergar. Pingava água daquela folha larga, verde, em formato de coração.
— Será que posso provar daquela fruta? — eu
pensava. Talvez beber água da fonte em que aquele gato do mato está bebendo
seja mais inteligente. Mas também havia
lobos neste lugar encantado. Ninfas e fadas me observavam. Reconheciam uma
irmã. No meu coração habitam duas, que também são uma só.
O tempo passa. Já aprendi que o sapo pode parecer gentil e
me atrair com suas cores vibrantes, mas também me deixar doente se eu tocar na
sua pele e provar da sua seiva.
— Não, obrigada. Quem sabe outro dia?
Apenas um sorriso, um aceno gentil. Com a ninfa dos rios
aprendi a evitar o perigo.
Mas ó, o sol sempre brilhou pra mim, na torre e na terra. A
chuva já molhava meu rosto. Se o gosto é bom, por que não continuar? Por que na
terra não posso caminhar descalça? Na verdade, eu posso, ou também usar as
botas para evitar serpentes.
Então nadei no rio e o vi, e ele tinha olhos de serpente,
mas que me atraiam de maneira inexplicável. Uma das minhas ninfas gozou. A outra
chorou.
Eu já estava na floresta fazia um tempo, o homem do rio
perdeu o controle. Ou nunca teve.
Tudo ficou muito confuso, preciso sair daqui, mas já
carrego as marcas. A cidadezinha que encontrei não é tão divertida. Prefiro
correr com os gatos do mato e voar com as belas aves do paraíso. Mas eu
consegui me estabelecer na cidade. Desisti de controlar as ninfas, agora eu as
assumi. Elas estão mais contentes comigo.
Apareceu um homem numa árvore. Ele tinha asas e me chamou
pra voar.
E eu fui.
E eu fui.
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segunda-feira, 19 de outubro de 2015
Uma voz me chama lá fora
A noite avançou um pouco mais e o corpo vacila em
sonolência. Uma voz que tem pressa e não quer entrar me chama lá fora. Bate no vidro da janela, diz que tem saudade
e convida-me a voar. Hora de acordar... Espero vir o sono, aguardo abrirem-se
os portais dos sonhos, e flutuo docemente em direção ao seu chamado.
Abre-se na noite uma porta desconhecida
Abre-se na noite uma porta desconhecida, justamente quando
estou mais indefeso, e tua mão me toca suavemente. É como se me dissesses
coisas e me beijasses o centro do peito, como é bem do teu jeito. É como se me fizesses
lembrar de tuas longas asas de mulher-pássaro. É como se movesses majestoso o
teu manto absurdamente negro, onde o brilho dos teus olhos é um só caminho, que
me conduz extasiado sempre ao voo infinito, quando então são estrelas que me
olham e é a tua canção que me desperta ao inverso, contando histórias nas quais
ninguém mais acreditaria, e que falam todas da infinita paz que me atrai a ti.
Um beijo, e não sei mais quem sou, e sou tu mesma, que me
revelas a mim. E no sorriso cheio de luz e êxtase desvenda-se em silêncio, sem
explicação, o mistério insondável de amar-te tanto.
sexta-feira, 28 de março de 2014
Passeio Noturno
O que fica pelo caminho talvez não me pertença mais. São ecos
que me trazem a sensação de teus dedos longos, que beijo amorosamente, e que me
dão alma e luz. Herança apaixonada que ruídos bruscos e inoportunos da noite ventam
para longe, e me fazem sozinho novamente, no estado que me é peculiar e que me
soa tão íntimo. Não me pertence o que de mais precioso existe, embora esse
tesouro insuspeito, solitário e perdido, pareça espreitar-me em algum ponto do
caminho que, hoje, como de hábito, percorro distraído, no meu passeio de todas
as noites com destino certo a lugar nenhum.
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Foto © Paulo Sallorenzo
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Foto © Paulo Sallorenzo
domingo, 12 de janeiro de 2014
Os olhos que espreitam
Os olhos que
espreitam são teus. Alma do que sinto sem compreender. Entregue, extático, observando navios no céu,
assombra-me o frio de tua ausência, que dita poemas sem sentido para um amor
que canta desolação e luz. Ampara-me o impacto de teu olhar surgindo
inesperadamente, voo da mulher amada, o manto negro como asas cheias de
estrelas, absurda e bela na escuridão. Rainha da noite mirando-me em meu abismo,
cantando comigo novas canções. Beijos de mãos nervosas e cálidas que me falam
de paixão e perdas. Carícias furtivas com que me invades à noite e juras amor
eterno.
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Foto © Paulo Sallorenzo
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
Agora
Estranho a tua
falta. Tanta é a expectativa de
encontrar-te, que é quase como se não tivesses chegado ainda. Apesar de o céu à frente me abrir todas as
possibilidades, é o teu perfume, chegando-me aos poucos, que confirma teu beijo
e o calor de tua presença aquecendo-me suavemente, meus olhos cerrados vendo
melhor do que jamais pude perceber-te em mim mesmo, antes. É como se cantasse uma canção improvisada
neste instante, mas já a conhecesse de um sonho. E teu sorriso fosse ele mesmo
o beijo, a canção e o sonho, e me inventasse novamente, e me movesse para um
lugar onde, outra vez, eu pudesse me entregar a teu abraço, agora, enfim,
sereno e silenciosamente feliz.
Feliz Ano
Novo, meu amor...
A todos,
— Feliz Ano Novo —
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Imagem – O Beijo da Esfinge
de Franz von Stuck, DP
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Sorriso e candelabros
Vindo de não sei de onde, chega-me um sono diferente, dominador e opiáceo. Feito de êxtase e morte, iluminado por candelabros antigos, traz com ele mesmo lábios de quem conheço, mas não identifico. Um beijo na boca, seguido pelo apagar das luzes, e um sorriso cálido fecham a minha janela e abrem-me inteiramente as portas da noite em sonho e delícia.
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Foto ©
Paulo Sallorenzo Detalhe do quadro de Pedro Américo (MNBA)
“A noite acompanhada dos gênios
do amor e do estudo”
sobre foto na Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro
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— Revista |Ilustrada
http://www.sallorenzo.com.br/revista/index.htm
— Blog
Sallorenzo Luz e Imagem
http://sallorenzoluzimagem.blogspot.com.br
http://www.sallorenzo.com.br/revista/index.htm
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Sallorenzo Luz e Imagem
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— Facebook
Sallorenzo Fotografia
https://www.facebook.com/pages/Sallorenzo-Fotografia/585904174802134?ref=profile
Sallorenzo Fotografia
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sábado, 14 de dezembro de 2013
Dormir
Dormir nem sempre é ficar à toa
Às vezes quem dorme acorda
Às vezes quem dorme voa
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Foto © Paulo Sallorenzo
http://www.sallorenzo.com.br/revista/index.htm
Às vezes quem dorme acorda
Às vezes quem dorme voa
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Foto © Paulo Sallorenzo
http://www.sallorenzo.com.br/revista/index.htm
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
Às vezes sinto como se sonhasse
Às vezes sinto como se sonhasse a mim mesmo, sonhando um
sonho que me foi ensinado. Outras vezes acho que todo o restante é que é um
sonho meu. Mas logo desperto e percebo que só posso ver mais e melhor
depois que sonhar o sonho inteiro e aprender o meu próprio sonho. Entendo,
então, que há uma forma correta de se sonhar, e que não posso aprendê-la. É
preciso inventá-la. E nesse inventar percebo que nada disso me preocupa
realmente e que, para mim, o importante é sonhar sem a ter certeza de nada...
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Foto © Paulo Sallorenzo
Foto © Paulo Sallorenzo
domingo, 10 de fevereiro de 2013
Noturno
insone, reluzente e magro, me procura.
Oculta num soluço a fruta úmida,
e sonha o seu desejo, obscura.
Da espreita,
pela noite, com efeito,
as garras arranhando o parapeito,
deslizo quarto adentro, num instante,
em sombra consciente e, em segredo,
invado os seus sonhos, docemente,
e a amo na delícia de seu medo.
as garras arranhando o parapeito,
deslizo quarto adentro, num instante,
em sombra consciente e, em segredo,
invado os seus sonhos, docemente,
e a amo na delícia de seu medo.
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Ilustração: Nu deitado,
Jules Joseph Lefebre, dp
Ilustração: Nu deitado,
Jules Joseph Lefebre, dp
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Em noites como esta
Em noites como esta, acontece-me, às vezes, perceber algo
que não compreendo. Alguma coisa sobre o que nada sei, de que nada temo e de
que nada espero. E quando a vejo mais de perto, é como se me acolhesse sem nada
dizer. Mas em sua proximidade não há perto,
nem há distância, há identidade e comunhão. Nada muda, e apenas se intensifica
e me toma por inteiro, sem reservas. Torno-me
por um instante aquilo que percebo, mas não contenho. Nenhuma conquista ou
realização vem servir de prêmio ou desenhar sentido naquilo que se aguça, desde
sempre vazio — mas
intenso e presente —
em um momento no qual tudo assenta sem recortes, sem euforia ou tristeza, num
ponto, num instante luminoso em que emerge, soberana, toda paz.
— Feliz Ano Novo —
domingo, 30 de setembro de 2012
Andantes
Malgrado
o mau-humor,
as
grades convexas ao peito,
a
tarde sorri prematuramente,
ao
prematuro cansaço
de
mortas dentaturas,
exercitando
o mesmo sorriso
excitado
ao romper do dia,
pela
esperança da noite.
Cantam
passos os andantes,
tímidos
cadáveres a ver manhãs,
pintados
de beleza
no
pulsar da madrugada irresistível à morte,
à
amargurada solidão.
Manta
de muita dor & paz,
e
muda pedra, resquício dos turbilhões:
há
suor no meu corpo.
Há
agonia & amor agoniado
de
quem vê andantes mortos
a
pulsar de vida e comunhão,
nada
mais.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
O sorriso
que virou pedra
Mas e o que mais
risada
Sono agitado
ansioso pelo
lance gostoso da menina
Saio daqui
carregando
uma desvairada
associação
de vozes
idéias diferentes
criança
desocupados da manutenção
do
desgraçado império desta morte
dentadas de réptil
inocente
lembranças semi-apagadas
(língua
morna de lesma)
Dormir sem respostas
é o meu prêmio
a minha música
Como que morrer
e acordar sob a sombra
de um sorriso perverso
Plantar sabedorias
colher a vaga impressão
de ter sido otário
durante todo o tempo
E vem o sono o cansaço
o
saco cheio
a vidinha
o
pecado panaca dos donos
da verdade
a louca trajetória de um sorriso
que cumpriu o seu
destino
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Vi de longe um coração sangrando
Vi de longe um coração
sangrando,
arrancado à órbita natural
de expressão,
novo planeta evidente
exposto à curiosidade popular
& à presença dos cães
vadios e famintos,
rimbombando vermelho
protesto,
urgindo vida na via pública.
Apesar da distância,
pude ver o povo
escandalizar-se
— alguma coisa borrifada nas
golas dos homens
como irremediável beijo —
urucum na cara do povo,
escrevendo histórias,
posteridades.
Apressei o passo inutilmente,
a tempo de ver a noite chegar
(chamada talvez por um
morador aflito
das vizinhanças)
& as sombras olharam-me
por sobre os ombros
& negaram tudo.
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Ilustração de Rabel Daniel, dp
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